"Nunca me vi trabalhando sentada, em meio a papéis. Sempre quis ser militar",
conta Rosana Gomes Batista, enquanto balança um bebê que foi parar em seu colo
durante a visita de uma equipe de policiais da UPP da Mangueira ao setor mais
carente da comunidade. A soldado faz barulhos com a boca, cócegas e mais
cócegas, dá beijinhos e acaba arrancando gargalhadas desdentadas do pequeno.
Rosana conta que quando chegou ali, há três semanas, o bebê estava
abandonado, sob os cuidados do irmão de seis anos de idade. Ela e alguns de seus
colegas chamaram a mãe para uma conversa. Disseram que se isso voltasse a
ocorrer ela acabaria perdendo a guarda dos filhos. A repreensão parece ter
funcionado. A mãe estava lá desta vez.
Segundo a policial, que não tem filhos, o carinho com a criança é natural e
também vem de treinamento. Rosana faz parte de um grupo de PMs recém formados
para atuar em áreas pacificadas no Rio. E faz parte de um grupo ainda seleto,
mas que está crescendo justamente por mostrar eficiência no policiamento de
proximidade, o de mulheres PMs. No último concurso para a Polícia Militar, das 7
mil vagas oferecidas, mil foram para mulheres. Uma porcentagem de 14,2%, muito
maior do que os 7,5% da relação total de mulheres empregadas na instituição.
"Ser mulher ajuda. Em uma aproximação mais comunitária a mulher tem essa
vantagem. Já é natural ser mais simpática, principalmente com as crianças, que
se aproximam mais da gente do que dos homens", explica a sub-comandante da UPP
Mangueira/Tuiti, a tenente Tatiana Lima, que tem o maior efetivo de mulheres
entre as UPPs (64). Formada no corpo de oficiais em 2008, ela entrou para a PM
antes mesmo de a primeira favela ter sido ocupada para a pacificação. No
entanto, Tatiana afirma que carregava desde o início a função comunitária.
"Gentileza gera gentileza, diz o profeta. Por que o policial, na sua abordagem,
não poderia ser mais humano?", indaga a tenente.
A sub-comandante já é conhecida nas ruas da Mangueira. As pessoas,
principalmente crianças, param para falar com ela. Tatiana retribui sorrisos,
brinca, demonstra carinho. Em nome da conquista de mentes e corações, a policial
aceitou até mesmo o convite para cantar em um show de música gospel promovido
por um grupo no local onde há maior resistência da cultura do tráfico na
comunidade, a rua conhecida como "Buraco Quente", perto de onde vivia o ex-dono
do tráfico na Mangueira, Alexander Mendes da Silva, o Polegar, que foi preso em
outubro no Paraguai.
"Não é ser celebridade. Mas quero chegar ao ponto de poder ser uma referência
para os moradores, sim. Servir de exemplo. Poder ser alguém que eles confiem e
ser alguém com quem eles possam contar se tiverem algum problema", diz Tatiana.
Ao invés de preconceito, a policial sente que as pessoas, principalmente as
mulheres da comunidade, demonstram admiração: "Elas me veem com olhar diferente
por eu ser mulher e por estar em uma posição de comando. Uma mãe já me parou e
disse que eu era motivo de orgulho para as mulheres daqui. Isso é muito bom.
Principalmente para mim, que sou mulher, ver esse reconhecimento".
A nova abordagem parece estar encorajando as mulheres e as fazendo vencer o
medo de entrar para a polícia em um lugar onde os policiais normalmente tomam
cuidado para não serem identificados quando não estão em serviço e, por motivos
de segurança, não comentam muito sobre a profissão com vizinhos e não deixam
distintivos e documentos a mostra. O último concurso teve 16.441 inscritas para
mil vagas. Tatiana conta que seus pais, apesar de lhe darem apoio, temiam que
alguma coisa pudesse acontecer quando ela entrou para a corporação. Com o passar
do tempo isso mudou. "Medo todo mundo tem, não tem jeito. Mas eu acredito que o
Rio está passando hoje por uma fase de pacificação. Minha mãe se sente
confortável por isso. O jornal que ela lê mostra notícias diferentes do que
mostrava antes", afirma.
Outro aspecto que tem feito mulheres carregarem fuzis e passarem por
treinamento com uma rotina diária de exercícios "igual a dos homens" que envolve
atirar, pular muros e rastejar é a oportunidade de aplicar diferentes
conhecimentos juntamente com a carreira militar. "Tem uma gama muito grande de
pessoas formadas com curso superior fazendo o curso. Na minha turma tinha
dentista, advogado, pedagogo", conta a soldado Caroline dos Santos e Silva, 24
anos. Formada em educação física, ela enxergou na UPP uma chance de colocar seu
conhecimento em prática e quer promover atividades de esporte inclusivas para
afastar jovens e crianças do ócio. "Tem muita gente sem fazer nada aqui. Você
olha as crianças na rua o dia inteiro. A mãe trabalha e as crianças ficam
largadas", relata Caroline.
Mulheres ajudam na aplicação da lei Maria da Penha Vencer a
desconfiança dos moradores envolve combater os conceitos acumulados em décadas
de relação conflituosa com a polícia. A soldado Michele Andrade Schaffer
Moreira, 30 anos, acredita estar vivendo um momento especial na Polícia Militar.
Segundo ela, os princípios de direitos humanos passaram a ser vinculados à
formação na academia. "Hoje nos ensinam somente o que é certo. Tratar o cidadão
com dignidade e não julgando pelo ato que ele cometeu. Nós não somos juízes. Não
temos o direito de agredir um cidadão, independente de ele ter roubado, de ter
agredido ou de ter violentado uma pessoa. Temos que encaminhá-lo para responder
perante a lei", aponta Michele. Ela é integrante da UPP do Morro dos Macacos. A
unidade tem um contingente de 40 PMs mulheres para um efetivo total de 227
policiais.
Sua colega, a soldado Drieli Abedissan Rodrigues, 23 anos, retornou
recentemente de um seminário em Honduras, onde apresentou uma palestra sobre a
Lei Maria da Penha. Drieli também vê oportunidade de colocar em prática na
polícia o conhecimento adquirido em sua formação como pedagoga. Segundo ela, os
casos de agressão e ameaça contra a mulher são os crimes que ocorrem com maior
frequência na comunidade. "Antigamente esses problemas deviam ter uma outra
forma de resolução aqui dentro (do Morro dos Macacos). Agora elas trazem para a
gente, o que é muito importante. É uma coisa que sempre existiu e agora a gente
consegue enxergar o retrato dessa violência", diz Drieli. Para ela, o fato de
haver mulheres no policiamento torna a UPP mais receptiva para receber denúncias
e encaminhar as vítimas para auxílio.
Presente desde a inauguração da UPP dos Macacos, em novembro de 2010, a
soldado Ana Paula Severo da Silva, 31 anos, já vê seu trabalho recompensado. "A
primeira etapa era a mais difícil. Uma criança que sem a nossa presença seguiria
os passos do pessoal que comandava antes, agora tem a oportunidade de seguir um
caminho diferente. Hoje o exemplo é outro. Porque a criançada admira o nosso
trabalho", comemora Ana Paula.
Fonte:
http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5504340-EI5030,00-PM+aposta+no+toque+feminino+para+conquistar+comunidades+no+Rio.html