Alan Bojanic e Gustavo Anríquez - Tierramérica
No centenário do Dia Internacional da Mulher, a FAO apresenta um diagnóstico surpreendente sobre a situação das mulheres no campo, através de um exame global dos agricultores e agricultoras do planeta. Os lares liderados por uma mulher não são sempre mais pobres do que aqueles dirigidos por um homem. Mas o informe anual “O estado mundial da agricultura e da alimentação 2010-2011” demonstra que as agricultoras estão em uma posição desfavorecida no uso e acesso a ativos como a terra, o gado, maquinaria, insumos como fertilizantes, pesticidas e sementes melhoradas, e a serviços como o crédito agrícola e a extensão de conhecimentos técnicos e capacitação.
O novo e surpreendente nesta avaliação é que, com distinta magnitude, esta assimetria se observa em todas as regiões do planeta e se repete em distintos universos nacionais, políticos e religiosos. Se a esta desigualdade agregamos que diversos estudos de campo demonstraram que as mulheres não são intrinsecamente menos produtivas que os produtores masculinos, podemos concluir que esta distribuição de bens e recursos tem um custo em termos de produção.
O informe da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) estima que, grosso modo, uma distribuição mais equitativa de ativos, insumos e serviços agrícolas poderia fazer crescer a produção mundial de alimentos entre 2,5% e 4%. Mais ainda, uma expansão da produção agrícola dessa magnitude poderia resgatar da desnutrição entre 100 e 150 milhões de pessoas, dos quase 1 bilhão de desnutridos que a FAO estima sobreviverem hoje no mundo.
Na América Latina e no Caribe, o tema da mulher no campo tem estado quase sempre ausente das discussões de política e de gênero. Apesar disso, nas últimas décadas ocorreram profundas mudanças econômicas e sociais de consequências duradouras. Como nas cidades, mais e mais mulheres deixaram trabalhos domésticos não remunerados, incluindo a agricultura familiar, para ingressar no mercado de trabalho nos campos e em indústrias direta ou indiretamente relacionadas com a agricultura.
Esta profunda reforma socioeconômica não só tem manifestações nos mercados de trabalho, como nos lares rurais, onde a mulher com renda tem uma posição de negociação reforçada para participar na tomada de decisões. Outros indicadores de bem estar familiar, como nutrição e educação também melhoraram. Isso não ocorre só recursos adicionais, mas sim porque, quando as mulheres controlam uma maior parte do orçamento do lar, a proporção do gasto familiar em alimentação, saúde e educação tende a aumentar significativamente.
Estas mudanças são bem vindas, pois melhoram o bem estar das mulheres, de seus filhos e de seus lares e as nações podem usufruir melhor de todos seus recursos humanos: homens e mulheres. No entanto, resta muito por fazer. A proporção das explorações agrícolas controladas por mulheres tem apresentado um notório aumento na região. Mas estas agricultoras, do mesmo modo como ocorre em outras regiões do planeta, têm menos terra e um reduzido acesso a outros ativos, serviços e insumos agrícolas. É interesse de todos eliminar esta desigualdade de oportunidades.
A receita é bastante universal. Em primeiro lugar é preciso eliminar toda forma de discriminação legal. Além das leis, os funcionários que as executam devem ser educados nas diferenças de gênero. Por último, não basta afirmar a não discriminação no papel. É preciso ter consciência das limitações específicas de gênero, por exemplo as limitações de tempo que enfrentam as mulheres por seu duplo papel de trabalhadoras/produtoras e donas de casa, oferecendo e facilitando às agricultoras os serviços públicos, como extensão, e privados, como o crédito.
(*) Alan Bojanic é o encarregado da Representação da FAO na América Latina e Caribe. Gustavo Anríquez é economista da FAO.
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior
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