sábado, março 06, 2010

Histeria, menopausa, TPM: Coisas de Mulher?

Regina Abrahão *

Simone de Beauvoir já afirmava, com toda a propriedade, que não se nasce mulher, torna-se. A construção da condição feminina, portanto, passa por processos de aprendizado social e cultural. Mas não é apenas este o processo construído: A sociedade, de clara dominação masculina, sabe muito bem aproveitar-se de particularidades do sexo feminino para construir suas formas de escárnio, subjugação e dominação.

Registros que datam cerca de quatro mil anos A.C, no Egito, dão conta de um tipo de enfermidade tipicamente feminina. Os sintomas variavam da incapacidade de locomoção, dificuldades de fala, agressividade, desmaios, gritos, dores pelo corpo todo. Mulheres com um ou destes sintomas tinha como diagnóstico a histeria (do grego hyster, útero). As causas da moléstia podiam ser duas: Ou falta de sexo, ou o deslocamento do útero pelo corpo. Tratamento: Penetração de objetos fálicos na vagina das mulheres, inalação de vapores com mau cheiro, e manobras físicas tentando fazer com que o útero retornasse ao lugar.

Depois, na idade média, a histeria passou a ser identificado como sintoma de possessão diabólica. O quadro foi descrito no livro Martelo dos Feiticeiros. A solução, neste caso, era a tortura física ou a morte. Através dos tempos, a histeria, sempre identificada com distúrbios uterinos, foi classificada como moléstia exclusivamente feminina A qualquer reclamação, desobediência, revolta ou inconformidade levava a pecha de histeria. Tratamento? Agressões físicas, banhos gelados, reclusão. E a mulher histérica passa a fazer parte do imaginário coletivo, do deboche coletivo. Atestado inquestionável da inferioridade moral feminina e prova concreta da impossibilidade da mulher assumir funções onde estabilidade e confiança fossem necessárias.

Nos meados do século XIX inclusive crises convulsivas em mulheres eram confundidas com histeria. Somente a partir dos estudos de Charcot que a histeria foi associada a distúrbios neurológicos, ou relacionados ao afeto, e não ao útero. Seus estudos que comprovavam que homens também sofriam de histeria causaram reações na sociedade, mas foi um de seus alunos, Sigmund Freud, quem afirmou que histeria era apenas uma das formas de manifestação da neurose. Para tratá-la, Freud preconizava o tratamento das emoções reprimidas. E acabou de vez com a teoria da exclusividade feminina da histeria, ao diagnosticar e relatar vários casos de histeria masculina.

Mesmo após o mito ser desfeito, mulheres histéricas continuaram a fazer parte do anedotário popular. Mas com o aumento da expectativa de vida, outro fato incorpora-se aos deboches: A menopausa. O fim da capacidade reprodutiva da mulher transformava seu papel social e consequentemente, seu valor. Como a menopausa geralmente coincidia com a saída dos filhos do lar, a mulher desta fase via-se relegada a condição de cuidadora auxiliar, com xiliques próprios de sua condição: medos, sensibilidades excessivas, lágrimas, queixas, calores.

Não espanta que a maioria das mulheres até pouco tempo atrás preferia passar por esta fase de forma discreta e silenciosa, por medo da exposição. Pior que encarar os sintomas físicos da menopausa era enfrentar uma menopausa sintomática, passaporte certo para o escárnio social. Ao perder seu papel de procriadora, sofrendo com as transformações próprias da idade, enfrentando comparações físicas com mulheres bem mais jovens, tendo negado em função disto o exercício da sexualidade por seus próprios companheiros, muitas mulheres classificavam a menopausa como o pior período de suas vidas.

Mulheres que assumem suas menopausas sintomáticas enfrentam ainda hoje classificações de doentes, patológicas, fracas, problemáticas. Sintomas que podem acontecer durante qualquer período da vida, como depressão, irregularidades menstruais, enxaqueca, são superdimensionadas. Evidentemente, pouco é falado sobre as mudanças hormonais em homens de meia idade, com as conseqüentes alterações físicas e psicológicas.

O envelhecimento masculino é tratado de forma totalmente diverso do feminino. Maturidade, para eles, é sinal de empoderamento e sabedoria. Para a mulher, de fragilidade e redução da capacidade intelectual. Ao lado das anedotas sobre mulheres histéricas ou ninfomaníacas, surge agora a figura da sogra, feia, velha, invejosa da plenitude reprodutiva da nora ou filha e pronta a tumultuar ou dificultar o casamento dos jovens casais.

Com o aprofundamento dos estudos sobre a condição e fisiologia feminina começam a surgir soluções capazes de diminuir ou excluir os sintomas desagradáveis do climatério e menopausa. Mulheres pós-menopausa são criativas, produtivas e capazes, e a experiência acumulada através da vida começa a ser valorizada, embora em setores restritos. Menopausa, gravidez e menstruação não são doenças. São características do sexo feminino. Somos diferentes. O que não quer dizer desiguais ou inferiores. Apenas diferentes.

Com estas situações desmistificadas, toma corpo uma nova ofensiva: agora é a tensão pré-menstrual, a propalada TPM que ocupa o imaginário masculino e o anedotário popular. Afinal, seres que passam uma semana instáveis, chorosas e agressivas, depois mais quatro ou cinco dias com cólicas, enxaquecas, dores, cansaços e outras fragilidades, não pode mesmo ser muito levada a sério! Então surgem as piadas do chocolate, do discutir a relação, do medo do excesso de peso, a sensibilidade exacerbada e a incapacidade de raciocínio. Mulher com TPM quase vira problema de segurança pública!

A grande mídia sabe como ninguém explorar estas caricaturas. O que são na verdade problemas físicos, passíveis de tratamento passam a ser condição feminina inquestionável. A ponto de parecer estranho e anormal que alguma mulher não sofra de TPM.

E existem mulheres que não sofrem de TPM. Existem mulheres cujos sintomas de TPM são apenas físicos (inchaço, cansaço, sensibilidade), mas nem por isto incapacitantes. Existem morbidades que, cruzadas às variações hormonais acentuam-se durante o período de TPM (estados depressivos, por exemplo), com sintomas como tristezas ou irritabilidade. E existe o condicionamento cultural e social, que faz com que pré-adolescentes já aguardem a TPM junto com a primeira menstruação com relativa ansiedade, como parte dos ritos de passagem para outro ciclo da vida.

Efetivamente, nada é por acaso. Histeria, menopausa, TPM, situações geralmente médicas, são tratados como verdadeiros atestados da inferioridade física, moral e social da mulher. Mais um preconceito a ser derrubado. Afinal, cabelos de homens também branqueiam, homens também podem ser histéricos, sofrem com mudanças hormonais e possuem ciclos não tão visíveis quanto a menstruação. O que muda é o tratamento dispensado.

Passa da hora de nos convencermos que podemos viver e envelhecer com dignidade. Que a condição feminina tem características próprias, não defeitos ou imperfeições. Passa da hora de reagirmos aos rótulos preconceituosos e os alimentarmos. Não precisamos ouvir, a cada vez que contrariamos alguma ordem estabelecida, reclamamos de injustiças ou reivindicamos nossos direitos, a pergunta canalha:

Estás com TPM?


* Funcionária pública,  estudante de ciências sociais da UFRGS.

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